11 maio 2009

Kavka - Agarrado num traço a lápis

"Noite de insônia. A terceira seguida. Adormeço rápido, mas acordo uma hora depois, como se tivesse enfiado a cabeça no buraco errado."

Hoje assisti a uma montagem teatral do grupo Lume - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp. Fazendo justiça à sua trajetória, o espetáculo foi impecável. Em cena, o ator do monólogo interpreta Franz Kafka em intensos momentos de criação, solitário, desconectado do cotidiano, transitando tenuamente entre a realidade e um universo semi-imaginário. Com humor negro se misturando com situações trágicas e patéticas, mergulhamos na vida deste escritor, ilustrada com imagens corporais ricas e improváveis e fragmentos de textos, desafiando o ator a superar-se a cada momento, desdobrando-se em múltiplas ações e energia diversa.
Franz Kafka nasceu em 3 de julho de 1833 na cidade de Praga, Boêmia ( hoje República Tcheca) então pertencente ao Império Austro-Húngaro. Filho de pais judeus - pai, comerciante de origem tcheca e mãe de origem alemã. Formou-se em direito e trabalhou toda sua vida como advogado numa empresa de seguros. Noivo por três vezes, nunca se casou. Um 1917 foi diagnosticado com tuberculose e morreu após 7 anos, um mês antes de seu aniversário de 41 anos de idade. Alternando temporadas em sanatórios com o trabalho burocrático, nunca deixou de escrever, embora tenha publicado pouco e, já no fim da vida, pedido ao amigo Max Brod que queimasse seus escritos no que evidentemente não foi atendido. A maior parte de sua obra foi publicada postumamente.
Kafka tivera uma infância marcada por uma relação conturbada com seu pai, tema que acompanha sua obra inteira.


Abaixo, algumas reflexões do escritor sobre si mesmo:

"O fato de estar sozinho exerce infalível poder sobre mim. O meu ser íntimo dilui-se...e dispõe-se a deixar transparecer algo de mais profundo..."

"Só assim se pode escrever, só com uma abertura tão completa do corpo e da alma"

"Eu sou minhas histórias."

"algo que não pode ser comunicado porque é intangível, e pelo mesmo motivo exige ser comunicado"

"Eu era rígido e frio, eu era uma ponte, estendido sobre o abismo...Meus pensamentos se moviam sempre em confusão, e sempre em círculos"

"O dia é um grande sortilégio. Talvez a claridade distraia da escuridão interior...Se não houvessem estas horríveis noites de insônia, eu não escreveria. Mas assim nunca posso esquecer a escura cela individual onde estou preso."

"Os relógios não estão em uníssono, o relógio íntimo corre de uma maneira diabólica, demoníaca, em todo o caso, desumana, o exterior prossegue mancando com um ritmo habitual as sua marcha ordinária"

"O meu destino é muito simples. O talento que tenho para descrever a minha vida íntima, vida que se aparenta com o sonho, fez cair tudo o mais no acessório, e tudo mais mirrou horrorosamente, não cessa de mirrar. Nada mais além disso poderia jamais satisfazer-me...Estou portanto flutuante, atiro-me sem descanso para o alto da montanha, mas só com dificuldade ali posso ficar um instante."
''A solidão parece ser melancólica quando visto de fora, mas dentro dos meus muros, por assim dizer, ela tem seus confortos."


O monólogo foi tão delicioso e delirante que fico com vontade de descrever cena por cena.

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