29 maio 2009

Bom Conselho

Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado,
quem espera nunca alcança
...
Chico Buarque - Bom Conselho

Guia dos adolescentes desvairados,
Daquelas de anéis em todos os dedos.
Dos que te viam em todos os lugares,
desde a aula de inglês nas terças-feiras,
até...
Daquelas atrizes que queriam se mostrar pra ti,
e só.
Dos que te viam dançando
e te queriam.
Daquelas que ainda te sentiam quente,
mesmo distante.
E, dos que não queriam acreditar que te perderam
para o tempo e para o sempre.

28 maio 2009

Alento

Quando nada mais houver
eu me erguerei cantando.
Saudando a vida
com meu corpo de cavalo jovem.
E numa louca corrida
entregarei meu ser
ao ser do tempo.
E minha voz,
à doce voz do vento.
E despojado do que já não há,
solto no vazio do que ainda não veio
minha boca cantará,
cantos de alívio pelo que se foi;
cantos de espera pelo que há de vir.


Caio Fernando Abreu

26 maio 2009

Mergulhando em Oswald, ou seria, com Oswald?

"É o drama do poeta, do coordenador de toda ação humana, a quem a hostilidade de um século reacionário afastou pouco a pouco a linguagem útil e coerente. Do romantismo ao simbolismo, ao surrealismo, a justificativa da poesia perdeu-se em sons e protestos ininteligíveis e parou no balbuciamento e na telepatia. Bem longe dos chamados populares. Agora, os soterrados, através da análise voltaram à luz, e, através da ação, chegaram às barricadas. São os que tem a coragem incendiária de destruir a própria alma desvairada, que neles nasceu os céus subterrâneos a que se açoitaram. As catacumbas líricas ou se esgotam ou desembocam nas catacumbas políticas"

Dedicatória de Oswald de Andrade à Julieta Bárbara,
sobre "A morta."

15 maio 2009

Aula da Paulina

Prometeu via os seres humanos se acabarem diariamente. Feitos da terra, dela levantavam-se, nascendo, e nela deitavam-se, morrendo; isto durava frações de segundos, comparado à vida eterna de um Deus, eram frágeis. Prometeu, sentindo pena, rouba o fogo dos Deuses para ensinar os humanos a utilizá-lo de diversas formas, comer alimentos cozidos e trabalhar os metais e o barro, tornando-os mais fortes. Zeus fica furioso com o ocorrido e, como vingança, pede a seus irmãos que levem o ladrão até o deserto onde seria acorrentado e viveria tendo seu fígado devorado diariamente por uma águia. Então, 30 mil anos depois de cumprir a pena, é solto por Hércules que passara pelo local. Zeus ainda pretendia vingar-se dos homens e ordenou que uma mulher fosse feita com a imagem semelhante a das Deusas. A mulher foi feita de barro e recebeu, de todos os Deuses e Deusas do Olimpo, diversos dons e todos os encantos: recebeu a vida e lhe foi ensinada a arte da tecelagem, recebeu a beleza, a fala graciosa, o desejo indomável, a persuasão, os encantos que seriam fatais aos indefesos homens, uma voz suave, o dom do canto e da música, embelezaram-na com lindíssimos colares de ouro, encheram seu coração de artimanhas, imprudência, curiosidade, mentira e astúcia. Recebeu então o nome de Pandora - "a que possui todos os dons". Ela foi enviada à casa de Epimeteu, irmão de Prometeu, este a recebe e percebe um jarro fechado em suas mãos. Fica com ela. Apesar de ser advertido a não receber nenhum presente dos Deuses, Pandora não lhe parecia prejudicial. Ele não abre o jarro, mas ela, em sua curiosidade resolve abrir. Dentro dele havia todos os males do mundo que acabaram por ser espalhados no exato instante. Entre os males, como a preguiça, a inveja, a ganância havia também o sexo. Nesse momento da aula os colegas, quase em coro disseram "ahh, mas pelomenos o sexo!", e a professora Paulina fez conosco uma reflexão: quando se está apaixonado, nada mais é somente nosso - fazemos as vontades do amado, comemos as mesmas coisas, vamos aos mesmos lugares, dormimos nos mesmos horários, assistimos aos mesmos filmes, mantemo-nos preocupados permanetemente - os gregos, preservavam muito sua autonomia, e estar escravizado pelo amor e pelo sexo, era uma maldição, já que isso lhes tirava tal liberdade. Refletindo...No ocidente, o amor escraviza? É possível amar e manter-se autônomo?

Janaína

Janaína sobrevivia a cada dia. Não era feliz. Sabia que a felicidade era feita de momentos, um estado de espírito e não um sentimento perene e permanente a ser alcançado; mesmo assim a culpa a consumia tornando seus dias quase insuportáveis. Ia para a faculdade diariamente; sentia-se mal. Pessoas em situação de miséria embaixo das marquises enquanto carros importados paravam nos semáforos com as janelas fechadas depois de avaliar que ultrapassagem em alta velocidade acabaria por matar alguém. Aconselhava amigos, brincava com todas as crianças sempre que podia, conversava com os velhos e afagava os cães, sentia-se útil e percebia uma pontinha de melhora em seu humor, infelizmente não durava mais que alguns minutos. As oportunidades lhe surgiam, dinheiro não lhe faltava, a vida não lhe era ruim. Tinha amigos carinhosos, pais preocupados, mas nada disso importava, pelo contrário, isso não lhe fazia bem. Talvez se sua luta fosse para uma vida melhor para si, estaria satisfeita, mas não, sua luta era para que toda a humanidade tivesse comida à mesa. Utopia? Não, mas haveria muito trabalho pela frente. Decepcionava-se ao ver quanto o homem em sociedade podia ser egoísta, mesmo fazendo sua parte diariamente parecia não ser suficiente e seu coração se partia. Homens pisando em seus companheiros, precisando humilhá-los para se auto-afirmar e alimentar o ego, competição, seres individualistas. Ela não entendia. Então sentia o mundo muito pesado em suas costas - conseguiria carregá-lo? Não seria corrompida, de maneira alguma, lutar contra injustiças era sua condição de vida, jamais se venderia, e isso tornava o fardo cada vez maior. Percebia-se incapaz de mudar o mundo inteiro mas, sentia-se responsável. Então, ao voltar para casa, chorava. Infeliz. Deitava-se em sua cama quente enquanto lembrava daqueles que não tinham como se aquecer. Chorava. Responsável e incapaz realizar seu objetivo. Até quando tentaria? Até o fim. E cansada, dormia.

14 maio 2009

Eugênio Barba diz:

"...Então, que estes jovens que escolheram o teatro provem a cada dia necessidade de sua escolha, também através desse programa inconsequente. Que se deparem com um ofício que impõe exigências tão inumanas que somente alguns resistem, aqueles animados por uma necessidade irredutível, aqueles que não se contetam com soluções superficiais; as bestas de trabalho que aniquilam a inércia que se satisfaz com resultados superficiais. São aqueles que com seu prórpio eu, com se corpo e sua alma, chegam ao jugalemtno final sobre eles mesmos como representantes de uma sociedade que continua anunciando: "amarás a teu próximo". E que cheguem a isso sem caos, sem exageros, sem transbordamentos emocionais, porém com lucidez e sangue frio. Não se trata de ser missionário ou artista original, trata-se de ser realista. Nosso ofício é a possibilidade de mudar a nós mesmos e desse modo mudar a sociedade. Não é preciso perguntar-se: "o que signigica o teatro para o povo?" Esta é uma pergunta demagógica e estéri. É preciso perguntar-se : "o que signicia o teatro para mim?" A resposta, a transformada em ação, sem comprimissos nem preecauções, será a revolução no teatro.."

Ao menos o verso é livre.

O que é preciso para viver aqui?
Um relógio no pulso.
Dormir pouco,
Correr,
Escravo do horário,

É preciso comprar o tempo,
usar óculos escuro.
Chutar o morador de rua
e seu melhor amigo.
Fechar com as mãos as narinas
enquanto o lixeiro passa
recolhendo nossos restos.

Para viver aqui,
devemos colher
somente as informações
úteis
para um currículo bom
para um emprego bom
para uma vida boa.
ser é ter

Um apartamento confortável,
um chuveiro quente,
água em abundância,
comida variada,
carro para poupar tempo.
Dinheiro para viajar de avião,
conhecer o mundo,
dormindo nos melhores hotéis,
comendo nos restaurantes mais caros.
ser é ter

Para viver aqui
É preciso desconfiar,
competir, julgar, comparar,
Mais erudição
Mais cultura
Mais conhecimento formal
Útil.

O espetáculo
o preço alto
o lugar marcado
o salto alto

Fundamental selecionar,
sem reparar
no céu, na lua,
na brisa, no canto,
no mar.

Viver aqui sem perder tempo.
Se entregar?
Utilitaristas, seres autônomos, se protegendo,
sem receber ou dar.
E o valor das coisas simples, o singular?
Útil, o que é útil?
Ego, ser é ter.

12 maio 2009

Acho bonito quando me acordas de madrugada e pedes ajuda.
Mesmo que meu sonho seja bom, gosto levantar e sentir que confias em mim.

11 maio 2009

Kavka - Agarrado num traço a lápis

"Noite de insônia. A terceira seguida. Adormeço rápido, mas acordo uma hora depois, como se tivesse enfiado a cabeça no buraco errado."

Hoje assisti a uma montagem teatral do grupo Lume - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp. Fazendo justiça à sua trajetória, o espetáculo foi impecável. Em cena, o ator do monólogo interpreta Franz Kafka em intensos momentos de criação, solitário, desconectado do cotidiano, transitando tenuamente entre a realidade e um universo semi-imaginário. Com humor negro se misturando com situações trágicas e patéticas, mergulhamos na vida deste escritor, ilustrada com imagens corporais ricas e improváveis e fragmentos de textos, desafiando o ator a superar-se a cada momento, desdobrando-se em múltiplas ações e energia diversa.
Franz Kafka nasceu em 3 de julho de 1833 na cidade de Praga, Boêmia ( hoje República Tcheca) então pertencente ao Império Austro-Húngaro. Filho de pais judeus - pai, comerciante de origem tcheca e mãe de origem alemã. Formou-se em direito e trabalhou toda sua vida como advogado numa empresa de seguros. Noivo por três vezes, nunca se casou. Um 1917 foi diagnosticado com tuberculose e morreu após 7 anos, um mês antes de seu aniversário de 41 anos de idade. Alternando temporadas em sanatórios com o trabalho burocrático, nunca deixou de escrever, embora tenha publicado pouco e, já no fim da vida, pedido ao amigo Max Brod que queimasse seus escritos no que evidentemente não foi atendido. A maior parte de sua obra foi publicada postumamente.
Kafka tivera uma infância marcada por uma relação conturbada com seu pai, tema que acompanha sua obra inteira.


Abaixo, algumas reflexões do escritor sobre si mesmo:

"O fato de estar sozinho exerce infalível poder sobre mim. O meu ser íntimo dilui-se...e dispõe-se a deixar transparecer algo de mais profundo..."

"Só assim se pode escrever, só com uma abertura tão completa do corpo e da alma"

"Eu sou minhas histórias."

"algo que não pode ser comunicado porque é intangível, e pelo mesmo motivo exige ser comunicado"

"Eu era rígido e frio, eu era uma ponte, estendido sobre o abismo...Meus pensamentos se moviam sempre em confusão, e sempre em círculos"

"O dia é um grande sortilégio. Talvez a claridade distraia da escuridão interior...Se não houvessem estas horríveis noites de insônia, eu não escreveria. Mas assim nunca posso esquecer a escura cela individual onde estou preso."

"Os relógios não estão em uníssono, o relógio íntimo corre de uma maneira diabólica, demoníaca, em todo o caso, desumana, o exterior prossegue mancando com um ritmo habitual as sua marcha ordinária"

"O meu destino é muito simples. O talento que tenho para descrever a minha vida íntima, vida que se aparenta com o sonho, fez cair tudo o mais no acessório, e tudo mais mirrou horrorosamente, não cessa de mirrar. Nada mais além disso poderia jamais satisfazer-me...Estou portanto flutuante, atiro-me sem descanso para o alto da montanha, mas só com dificuldade ali posso ficar um instante."
''A solidão parece ser melancólica quando visto de fora, mas dentro dos meus muros, por assim dizer, ela tem seus confortos."


O monólogo foi tão delicioso e delirante que fico com vontade de descrever cena por cena.

05 maio 2009

Tá apertando, sufocando, ando, ando cada vez mais rápido afim de soltar logo esses pregos enfiados tão fundo, que quase me afundo...e lembro de andar e ando pra soltar.

02 maio 2009

une petite réflexion sur la longueur d'une cigarette

cet vie
ce bus
ce climat
cette température

cette folie
cette vitesse
cette attente
ce retard

ce froid
cette chaleur
cet amour, cet amour
combien de temps est la durée d'une cigarette?
combien de temps?
rien
rien
une cigarrete?

O Rei da Vela

Trechos de "O Rei da Vela"
Oswald de Andrade
ato I
...
Mais o Intelectual Pinonte
Entra Pinote de chapéu de poeta na mão. Uma gravata lírica. Sorrindo. Mesuras. Traz uma faca enorme de madeira como bengala.
PINOTE Bom dia, mestre.
HELOÍSA dá um grito lancinante
Ai! Faca!
ABELARDO I É um revoltado?
PINOTE Absolutamente não! Fui, no colégio. Hoje sou quase um conservador! O que me falta é a convicção.
ABELARDO I Tem veleidades sociais...quero dizer, bolchevistas?...
PINOTE Não senhor! Olhe, tenho até nojo de gente baixa...gente de trabalho...não vai comigo!
ABELARDO I Muito bem
PINOTE Gente que cheira mal...
HELOÍSA Ninguém dá sabão a eles para se lavarem.
ABELARDO II Nem pão, quanto mais sabonete...
ABELARDO I Não se incomode. Ele é socialista. Mas moderado, de faca também. Mas, afinal qual é o gênero literário que cultiva, meu amigo?
PINOTE Os grandes homens! Pretendo fazer como Ludwig. Escrever grandes vidas! Não há mais nobre missão sobre o planeta! Os heróis da época.
ABELARDO I Pode ser também extremamente perigoso. Se nas suas biografias exaltar os heróis populares e inimigos da sociedade. Imagine se o senhor escrever sobre a revolta dos marinheiros pondo em relevo o João Cândido...ou algum comunista morto num comício.
PINOTE Não há perigo. A polícia me perseguiria.
ABELARDO I Então é um intelectual policiado...Não pratica literatura de ficção?
PINOTE No Brasil não dá nada!
ABELARDO I Sim, a de fricção é que rende. É preciso ser assim, meu amigo. Imagine se vocês que escrevem fossem independentes! Seria o dilúvio! A subversão total. O dinheiro só é útil nas mãos dos que não têm talento. Vocês escritores, artistas, precisam ser mantidos pela sociedade na mais dura e permanente miséria! Para servirem como bons lacaios, obedientes e prestimosos. É a vossa função social! Sirva então francamente os de cima. Mas não é só com biografias neutras...Precisamos de lacaios...
PINOTE É! Mas dizem por aí que a Revolução Social está próxima. Em todo o mundo. Se a coisa virar?
ABELARDO I Será fuzilado com todas as honras. É preferível morrer como inimigo do que como adesista.
PINOYTE E minha família? E as três crianças?
ABELARDO I Saia daqui já! Vilão! Oportunista! Não leva nem dez mil-réis, creia! A minha classe precisa de lacaios. A burguesia exige definições! Lacaios, sim! Que usem fardamento! Rua!
Pinote retira-se penosamente.
Menos o intelectual Pinote e Abelardo II
HELOÍSA Coitado!
ABELARDO I Voltará! De camisa amarela, azul ou verde. E de alabarda. E ficará montando guarda à minha porta! E me defenderá com a própria vida da maré vermelha que ameaça subir, tomar conta do mundo! O intelectual deve ser tratados assim. As crianças que choram em casa, as mulheres lamentosas, fracas, famintas, são a nossa arma! Só com a miséria eles passarão a nosso inteiro e dedicado serviço! E teremos louvores, palmas e garantias! Eles defenderão as minhas posições e a tua ilha, meu amor!
HELOÍSA Ora, uma ilha brasileira!...Estou quase não querendo... Em troca da minha liberdade. Chegamos ao casamento...Que você no começo dizia ser a mais imoral das instituições humanas.
ABELARDO I É a mais útil à nossa classe...A que defende a herança.